23 maio 2023

Verruma

Verruma #02
Verruma é uma ferramenta manual para perfurar a madeira e é também o nome adoptado por André Lemos para uma nova publicação da Opuntia Books. Neste segundo número, além de Lemos, colaboram Bruno Dias, L.L., ZMB, Lauri Mäkimurto, S.L. e Nigel McMagan.
Com uma sucessão hipnótica de desenhos, fotografias, pinturas, montagens e "found images" de diversas proveniências como filmes de baixo orçamento, cinema de terror gore, ficção científica, naves espaciais a sobrevoar a Grande Muralha da China, criaturas monstruosas pouco assustadoras, talhadas de carne vermelha e cabeças de peixe com olhos vidrados e muitas outras estranhas e exóticas. 
A ausência de qualquer tipo de texto ou contextualização, reforça o mistério e maravilhamento, numa amálgama primordial, plena de visceralidade. As técnicas gráficas e de impressão utilizadas, as montagens realizadas com diversa iconografia e temática moderna e antiga, projectam a Verruma para um tempo indeterminado, o passado sobreposto ao futuro.
André Lemos e restantes colaboradores, entregam-nos um imaginário que é simultaneamente familiar e contemporâneo, mas também ancestral e primitivo, provocando um choque de estranheza e inquietação.
Uma verruma que perfura e instala no cérebro uma espécie de epifania brutalista.
Depois de todo o labor artesanal e assombro que vislumbro aqui, causa-me perplexidade porque só foram impressos 15 exemplares?!

Verruma #02, Abril de 2022, 48 págs, impressão a cores, 14,5x21cm. Tiragem: 15 exemplares. Edição: Opuntia Books [OB-028].

Verruma #03

A Verruma #03 conta com a participação de praticamente todos os colaboradores da edição anterior: André Lemos, L.L., Nigel McMagan, S.L. e ZMB., e agora Reijo Kärkkäinen, o que lhe confere uma certa  continuidade, esboçando também alguns traços identificativos.
Folhear a Verruma causa sempre uma certa estranheza, pois nada assume uma existência puramente positiva. Tudo o que vemos, é o resultado de um conjunto de ausências, que antecedem e contextualizam, uma prefiguração que lhe proporciona uma determinada inteligibilidade, uma existência espectral e onírica. Sucedem-se imagens misteriosas e inquietantes, enraizadas na iconografia da ciência e da ficção científica do século XX, uma plataforma para a deriva cósmica rumo ao desconhecido.
A Verruma enquadra-se, mas não se aprisiona, no conceito de hantologia de Jacques Derrida, e da respetiva operacionalização no domínio político / cultural desenvolvida por Mark Fisher.
A Verruma é a antítese do bombardeamento pós-moderno de citações, pois assume como identidade o que é inquietante, sem procurar desvelar aquilo que é oculto ou obscuro. Verruma é uma conspiração do semiesquecido, do mal recordado e do efabulado. A Verruma está ancorada no imaginário comum, mas deriva para o modernismo popular, para o naif, o brutalismo, o gore, o anti-academismo e o novo tradicionalismo.
A Verruma proporciona uma sensação confortável, mas artificial de déjà vu, algo que não conseguimos situar num tempo e espaço específicos, uma certa familiaridade, mas simulada, uma promessa não cumprida de regresso ao analógico através do digital.
A Verruma não se limita a regurgitar a nostalgia, desencadeia algo mais profundo e obscuro, reminiscências de algo que estava pausado no subconsciente colectivo.
Voltando a Derrida, e à sua paráfrase de Hamlet - "o tempo está desconjuntado" aplica-se que nem uma luva à Verruma: - esqueçam a cronologia linear: passado-presente-futuro, pois aqui as linhas temporais entrecruzam-se aleatoriamente. Os estratos sucedem-se e sobrepõem-se, deixando as suturas visíveis, os artefactos expostos invocam um passado difuso, mas também um futuro que não chegou a acontecer.
Paira sobre a Verruma uma névoa fina, baça, um velamento, que lhe desvanece qualquer possibilidade de brilho, sobrepondo-se uma camada de patine fantasmagórica.
O estranhamento, o sonho (ou o pesadelo?), a dimensão onírica cruzada com memórias difusas, uma evanescência fugidia, que nos remete para um tempo passado, um idílio que verdadeiramente nunca existiu.
Verruma #03, Novembro de 2022, 52 págs, impressão a cores, 14,5x20,7cm. Tiragem: 15 exemplares. Edição: Opuntia Books [OB-034].

3 comentários:

Anónimo 23 de maio de 2023 às 20:54  

Muito bem captada essa visão do que é, foi e será o projecto em processo "Verruma". Obrigado pela perspectiva.

andré lemos 23 de maio de 2023 às 20:55  

O comentário acima é meu claro!

erradiador 24 de maio de 2023 às 11:42  

Muito obrigado pelo teu comentário. Abraço amigo

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