28 setembro 2023

Diários dum Cão Danado

Em época de comemoração de três décadas de actividade, o Mesinha de Cabeceira tem estado imparável: - mais de dez novas publicações no espaço de um ano!!!
Esta edição #41, corresponde a uma compilação de desenhos seleccionados dos diários gráficos mantidos por Giancarlo Apollini, no período entre 2020 e 2023.
Diários dum Cão Danado abre com um coelho branco e uma chave dourada, estimulando a curiosidade para o seguir, introduzindo-nos na toca para desvendar que estranhos segredos se ocultam no seu interior. Logo nas primeiras salas, confrontamo-nos com os bichos, carcaças devassas, as meat paintings de Francis Bacon assombradas por Rembrandt.
Logo depois, sem tempo para recuperar o folêgo, desagua-se no peep show, a central do voyeurismo, visões fetichistas de uma feminilidade toldada pela obsessão, as nádegas generosas e os saltos altos, mulheres atadas com cordas meticulosamente dispostas, expostas à erotização do olhar, num estranho jogo de interdição, inebriados pelo sensual cheiro a morte e desejo.
Figuras, torsos amputados, representados contra um fundo plano - Bacon novamente.
Uma breve incursão no espaço do museu, vetusta catedral erigida em louvor do voyeur.
A ilusão, as imagens fotográficas exibidas através dos filtros que operam novas magias nas redes sociais - a girl magic box. A vaidade vã. | Vanitas |. A caveira, como marco miliário, a recordar a insignificância da vida e a efemeridade da vaidade.
O que é que Fellini, Hitchcock e Buñuel têm a ver com tudo isto? Têm tudo, pois criaram estranhos objectos de desejo, decompostos em perturbadoras fantasias de transgressão, moldando definitivamente o nosso olhar. 
A recorrência, a fixação e reentra-se nos dispositivos do desejo, a contemplação sem toque, evitando uma aproximação excessiva. A potência erótica, o jogo da sedução. A mulher objectificada, o olhar devorador focado exclusivamente na parte do corpo fetichizada.
Segundo Barthes, a imagem pornográfica é uma imagem monótona, porque já não tem nada a esconder, sem mistério, cancela o prazer proibido. Aqui, pelo contrário, há mistérios por desvendar... Palavras e frases pairando, abertas ao fortuito acaso.
Diários dum Cão Danado constitui-se como um panóptico carregado de potência erótica, trajando luzidios fatos de latex, onde um fecho-éclair metalizado abre um interstício, rasgando uma fenda entre a realidade quotidiana e a fantasmagoria da solidão.
Diários dum Cão Danado, Maio de 2023, 40 págs., impressão a preto & branco, 14,9x21cm., Tiragem: 100 exemplares. Edição: Chili Com Carne [MdC #41].

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