20 novembro 2023

Prelúdio em E menor

Chopin sabia que estava a morrer. Ainda antes de completar 30 anos, entre 1835 e 1839, Chopin compôs um ciclo de 24 prelúdios para piano. Até então, "prelúdio" descrevia uma peça introdutória, um estudo para algo mais importante, enquanto os Prelúdios de Chopin permanecem como composições autónomas, cada uma transmitindo uma ideia ou uma emoção específica. Chopin desafiou as atitudes estabelecidas relativamente ao valor intrínseco das pequenas composições musicais.
Em Setembro de 2022, João Carola realizou a sequência de desenhos reunida neste fanzine, enquanto escutava repetidamente "Prelude in E Minor, Op.28, No.4", na versão interpretada pelo pianista David Helbock, acompanhado por Sebastian Studnitzky no trompete e Arne Jansen na guitarra eléctrica. 
A interpretação de Helbock do Prelúdio n.º 4 é surpreendente: por um lado, é moderna e jazzística; por outro, está impregnada com o desespero e o dramatismo romântico, a sensibilidade e o arrebatamento sublime.
As imagens projectadas por João Carola são misteriosas e compostas por uma substância transcendente, um idílio perdido (ou que só existiu no cinema), estão entre alguma coisa: - ou que já aconteceu; ou que ainda está para acontecer. Nunca o saberemos realmente...
Os novos velhos ecossistemas de João Carola parecem revelações de uma experiência mediúnica, do atravessamento de um longo túnel negro, uma antecâmara escura dos sonhos, interrompida repentinamente por flashs intensos de luz, que descarnam uma recordação marcante esquecida nas profundezas do subconsciente. 
Nenhum Prelúdio de Chopin tem mais de 90 compassos (nº 17), e o mais curto (nº 7) não chega sequer a um minuto de duração. A brevidade e aparente falta de estrutura formal dos Prelúdios causou perplexidade no momento da sua apresentação. Schumann classificou os Prelúdios como simples esboços, inícios de estudos, e até como ruínas, desordem e confusão selvagem. Por outro lado, Liszt, intuiu imediatamente que os Prelúdios eram composições de uma ordem inteiramente à parte, que eram prelúdios poéticos, escritos por um grande poeta contemporâneo.
A posteridade demonstrou que os Prelúdios bastariam para garantir a imortalidade a Chopin. Entre muitos outros, temas como "Insensatez" de Tom Jobim, "Jane B" de Serge Gainsbourg ou "Exit Music (For a Film)" dos Radiohead, inspiraram-se no Prelúdio n.º 4 de Chopin.   
Os desenhos de João Carola também são de uma ordem diferente, são composições oníricas talhadas com golpes certeiros e essenciais, que preservam o mistério natural das coisas simples. Preservam a força telúrica dos grandes espaços inquietos, o esgar que se vislumbra no retrovisor, o homem do capuz. A liberdade em potência do galope dos cavalos. O pequeno navajo que aponta a pistola segura com ambas as mãos. E animais domésticos ou selvagens, alguns jazendo na berma da estrada.
Frédéric Chopin morreu em 1849, com 39 anos de idade. Por sua indicação expressa, o Prelúdio n.º 4 foi tocado durante o seu funeral, juntamente com o Requiem de Mozart.
Prelúdio em E menor, 2023 (em 2022, 1.ª edição de 25 exemplares), 12 págs., impresso a preto & branco, 14,9x21cm. Edição: Carola.

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