Cão Raivoso #1

O surgimento de fanzines de banda desenhada em Portugal esteve intimamente ligado aos estudantes do ensino secundário - veja-se os casos, entre outros, de Argon, Impulso e Graphic - mas, nos anos mais recentes, não se regista grande actividade fanzinística dos alunos liceais. Neste contexto, saúda-se o lançamento do Cão Raivoso pelo Clube de Banda Desenhada da Escola Artística Soares dos Reis, do Porto.
Adoptando a designação de uma canção de Sérgio Godinho gravada no álbum de 1974 «À Queima Roupa», o fanzine constitui uma extensão do Clube de Banda Desenhada, composto por alunos e ex-alunos da Escola. Prevendo uma periodicidade bianual, este número inaugural apresenta diversas bd, desenhos de Matilde Camacho e Miguel Crispim, o poema «O Nome do Cão» de Manuel António Pina, um extenso artigo sobre Rafael Bordalo Pinheiro destacando o seu trabalho no periódico «A Paródia», e a fechar, uma tira de 1946 de Nancy Daily Comic, da autoria de Ernie Bushmiller. A paginação e coordenação foi da responsabilidade de Patrícia Guimarães.
A primeira banda desenhada é "Os Mundos" de Ana Lopes e Catarina Zhu, uma aventura envolvendo formigas que se agigantam e jogos virtuais.
"A Vingança" de Ana Magalhães e Nuno Oliveira, uma caçada com laivos de vingança, algo desequilibrada pela diferença no traço apresentado ao longo da história.
Madalena Dinis e Mariana Oliveira apresentam "A Sina" em estilo film-noir.
Depois, a "Sobremesa" junta as autoras Ana Silva, Carlota Azevedo e Mara Soutinho numa sangrenta preparação para uma festa de aniversário.
"Rain Drops Keep Falling" de André Ferreira é uma bd prometedora, que acaba comprometida pelo aspecto excessivamente inacabado do desenho e da balonagem.
Segue-se a prancha de 1993 "O velho e o burro à procura do rapaz" de Daniela Duarte.
Joana da Costa (Yuri) apresenta a bd "Além", vencedora em 2023 do concurso da Escola, dedicado ao pintor e professor portuense António Cruz.
"The Thing" é uma enternecedora bd de Isabella D'Agostini e Joana Abreu.
A bd "Olhos?" de Karla Bobay e Matilde Cunha é misteriosamente assustadora e sanguinolenta, prometendo continuação...
No mesmo registo, "Deixo um pouco de mim, levo um pouco de ti" de Sara Monteiro, retalhos humanos a recompor brechas abertas, desenhado em estilo japonês.
Esperemos que este Cão Raivoso continue a cerrar os dentes e que faça jus ao mote "mais vale ser um cão raivoso do que um carneiro".
Cão Raivoso #1, Janeiro de 2024, 52 págs, impresso a preto & branco; capa em cartolina colorida, 14x20cm. Tiragem: 150 exemplares. Porto.
Cão Raivoso #2
O segundo número do Cão Raivoso assumiu como tema a "Revolução", que foi recriado de diversos modos pelos jovens participantes. A primeira bd é uma interpretação de Rosita Reis de "Si Bu Sta Dianti na Luta" do guineense José Carlos Schwarz, utilizando o desenho e a palavra escrita em crioulo, para compor uma original e poética homenagem às lutas independentistas.
Dinis Carvalho apresenta "Entrelinhas" graficamente bem conseguida, mas inconsequente na narrativa. Aguarda-se com expectativa a continuação deste trabalho.
"Acabou" é uma curta e muito eficaz bd da autoria de Filipa Cardoso. Seguem-se algumas pranchas colectivas inspiradas no movimento artístico da Nova Bauhaus, realizadas no decurso das sessões do clube de banda desenhada.
O entrevistado neste número é o professor Guerreiro Vaz, um dos principais responsáveis pelo concurso BDArte promovido pela Escola Soares dos Reis.
Nesta edição, temos ainda um breve artigo sobre a verdadeira história do surgimento dos cravos no 25 de Abril, protagonizada por Celeste Caeiro.
A emergência de inteligência artificial, os robôs humanoides, as máquinas sofisticadas de guerra e apesar de tudo isto, ainda sobra uma réstia de esperança na humanidade em "I Am Am" de David Oliveira.
"Carga a +" de Leonor Morais e de Mariana Carvalho, recria em estilo de jogo eletrónico a dança das cadeiras que fizeram tombar Salazar do poder.
As confusões sobre a identidade de género e os arranjos possíveis, tratados de forma lúdica por Neivin Floridia na banda desenhada "Dino e "Ela" em Brinquedo de Mulher".
A dupla Clarisse Pereira e Matilde Sousa imagina uma marcha de um batalhão de cravos com uma determinação inabalável para fazerem a revolução.
Agora não há tempo para fazer a revolução. A juventude, identificada por Lenine como a chama mais viva da revolução, está mais conformada e acomodada, apesar de ainda haver um fogacho aqui e ali. As revoluções são vistas como coisas do passado, que se comemoram anualmente de forma quase burocrática, servindo memórias alheias e realidades longínquas. 'Bora lá fazer a p*** da Revolução?
Cão Raivoso #2, Maio de 2025, 60 págs, impresso a preto & branco; capa em cartolina colorida, 14x20cm. Tiragem: 200 exemplares. Porto.